terça-feira, 10 de janeiro de 2012

O Cume dos Teus Olhos (Nova Lente)

Agora acredito no que os teus olhos queriam me dizer. É toda a verdade. A verdade pestanejava neles enquanto eu me recusava a encará-la. Havia ainda um modo diferente de enxergar o mundo além do que eu estava acostumado a me apoiar. Como se teus olhos estivessem tentando me guiar para o cume de um penhasco no qual eu seguia vendado, opcionalmente cego, por medo de cair dele  ou dentro deles. E olha, eu nunca tive medo de altura. Talvez porque não fazia parte dos meus planos me desprender de tudo para me perder em alguém como você. Embora agora não seja mais da minha parte escolher algo que me possa (re)partir. Às vezes a gente se descobre em outra pessoa. Então, por favor, não me olhe assim, eu jamais trocaria você por alguém como você.

 Antes de tudo, eu poderia começar abrindo meus olhos. É deles que enxergo a épica história do quase. Mas as coisas melhoraram desde que eu soube enxergar o lado bom das coisas. Ainda que exista uma ótica completamente exótica a ser descoberta, meu foco melhorou muito desde que você se tornou meu ponto de foco. E não há ponto de fuga para me levar para outras paisagens, ou melodia para me tirar da lembrança a tua voz. No momento, enquanto não ponho os olhos em ti novamente, tuas lembranças são o que tenho à me prender. Porque eu não gosto daquela sensação de queda livre. Eu gosto de ter no que me segurar, ou melhor, em quem.

 Veja que eu não quero ter razão, porque antes eu podia dizer que eu te entendia, mas algo mudou, agora eu te sinto. Eu suportaria viver sem ter razão sobre coisa alguma, mas eu morreria se eu não pudesse amar. Sendo a vida tão fácil em se mostrar difícil; nunca duvidei de nada ou de tudo. E desde que cravei meus olhos nos teus, estou paralisado em teu olhar, e mesmo quando você não está a minha frente, eu me foco nas lembranças. Me deixo ao que me foi deixado. E não me sinto só. Porque agora eu sei, agora eu vejo, e a verdade: agora eu sinto.

"Uma coisa eu sei, é que, havendo eu sido cego, agora vejo."
João 9:25

terça-feira, 3 de janeiro de 2012

Solo

Fora arrastado até ali. Seu lado bom dizia para aguentar, seu lado mal nada dizia. Não havia coexistência. A luz periódica o impedia de focar com precisão de detalhes em como acabara ali. Nem em suas mais recentes lembranças conseguia encontrar reforços ou mesmo refúgio. Estava na condição mais miserável que podia julgar: só. E era um feroz julgador. Conhecia tão bem o reflexo do espelho, mas nunca havia sido apresentado ao âmago do próprio ser ou, como julgava, à aquele ser. Não que se lembrasse. Era pior do que imaginava: estava com um desconhecido. Implodia nas mãos os desejos de antecipar o ato final daquela que, para ele, era uma peça de péssimo gosto. Queria quando queria e assim estava acostumado. Negava estar com quem estava, pior sendo quem era. À mercê da própria e indesejada companhia. Contudo, seu lado bom sussurrava. Afinal, apenas começava a descobrir a extensão do chão e do sabor agridoce que este o oferecia.

Nada ao redor podia ser tocado. Todavia nem em sonhos conseguia fugir na íntegra. Faltava algo pelo caminho, como se parte de si se desprendesse para ficar enquanto apenas a esperança de seguir em frente corria o máximo que podia. E seu contentamento provinha do que não lhe fazia sofrer. Queria estar ali ou lá, ou até em outra existência. Ora não conseguia mais se contentar em apenas sonhar, também não se contentava em simplesmente desistir. Pois caso seu arrependimento gritasse, ficaria surdo pelo resto da vida. Se ainda houvesse uma vida, julgava.

Pouco a pouco, a decepção aparecia como um prato cheio que lhe alimentava e lhe deixava mais forte quando bem digeria. Só conseguia pensar em quantas vezes seria necessário se decepcionar para se tornar imortal. Embora quanto mais se decepcionava, menos gostava de ter que respirar. Estava no limite entre ouvir o lado que nunca ouvira e o lado que sempre ecoava. Estava além de escolher, só desejava a saída de emergência. Mas já havia se acostumado com a própria presença após tantos monólogos e não havia o que se julgar. Seu fardo estava caindo por terra enquanto começava a se desenterrar. Aprendia a explorar o que houvera em si, mas ia além, explorava o que poderia haver. Acreditava num futuro, mesmo descrente. Não demorou muito até perceber o tamanho desse lugar. Até perceber que não havia concreto.

quinta-feira, 16 de junho de 2011

Duas vi(d)as

Eu gostaria que você escutasse essa canção e se lembrasse de mim, eu gostaria que você lembrasse da minha risada e risse junto, mesmo que estivesse completamente só. Ainda mais se estivesse a noite. E que daí viesse uma cascata de lembranças, e que se lembrasse até dos meus erros com uma dose cheia de carinho, sem nem conseguir me julgar. E quando fosse tentar dormir, eu gostaria de estar em seus sonhos também, e que nessas horas você desejasse jamais acordar. Por eu ser alguém melhor para você, por te dar toda a atenção que você precisa. E gostaria que você quisesse que os dias passassem mais rápido só para me ver mais uma vez, porque mesmo uma vez mais seria pouco demais pra você. E eu gostaria que quando você estivesse comigo o tempo se congelasse. Só por eu estar lá.

Eu gostaria que seu coração batesse forte quanto mais você se aproximasse de mim, e que as palavras não conseguissem sair ou que você não tivesse palavras. Por seus olhos me mostrar tudo o que você precisasse dizer. E eu também gostaria de ver o sofrimento dentro deles. E eu gostaria de entrar neles para lhes dizer que tudo vai ficar bem, mesmo sabendo que não vai. Eu gostaria de jogar com você, brincar com seus pensamentos que geram sentimentos. Eu gostaria de te confundir, e de te deixar morrer ainda com vida. Por te enterrar enquanto me amasse.

Eu gostaria de não deixar espaço para você mesmo, e gostaria que você não tivesse espaço para mais ninguém. Senão por mim. Eu gostaria que você não tivesse paz, mas sentisse dor. Eu gostaria que isso te corroesse por dentro, por você ser invisível, mas seu sentimento visível. E não o contrário. Só por eu ser insensível. E principalmente, eu gostaria que você não tivesse uma vida, isso só para que você pudesse sentir e compreender a forma como você tirou a minha de todas as formas possíveis.

"- Você poderia trocar de lugar comigo?
- Por que?
- Eu não consigo enxergar de longe."

quarta-feira, 1 de junho de 2011

Sinto muito

Quem precisa de uma arma apontada para o coração quando não há mais nada a se sentir senão dor? Dor da qual só se sente só. Que não se abafa ou compartilha em milhares de desabafos. Dor que mata sem precisão de arma porque vem da extrema falta de ser amado. Da urgência de querer por pra fora aquilo que não vai sair de dentro com facilidade. De querer gritar ao mundo o "tanto que sente" ao mesmo tempo em que o mundo ecoa "tanto faz". Dor de poder demonstrar aquilo que se sente para quem sente, sem poder de verdade. Assim como se tanta coisa pudesse não ter que fazer sentido para que não tivesse que sentir tanto. Mas que ainda assim lhe suga toda a esperança que resta num coração cicatrizado.

Se tanta coisa pudesse se ausentar automaticamente da minha presença para que eu não tivesse uma outra chance de sofrer ao ver o que não posso tocar. Para que eu não tivesse que perder boa parte do que sou em troca de algo que nunca será meu. Eu deveria sentir pena de mim mesmo, se já não sinto. E é de tanto sentir que a dor do coração se transformou em dor de cabeça. Eu sinto tanto quando deveria nada sentir.

Eu sinto muito.

terça-feira, 3 de maio de 2011

A Poesia aos Dezoito

“A gente se acostuma a coisas demais, para não sofrer.” Marina Colasanti
Nesse grande estrago de promessas desfeitas o vazio começa a vazar. Surge uma troca de olhares que não mais se disfarça e um toque que não mais teme em se aproximar. E entre ambos, uma batida de coração que vai se acelerando. Tudo começa a dar lugar à chance de acontecer como numa primeira vez. Potencialmente, tudo volta a ser um risco. Não que tudo importe. Essencialmente, sentir pela primeira vez é sentir. O resto é se acostumar a sentir. Mas quando se acostuma, se perde a essência, se perde o risco, se perde o sentimento.

Assim como havia um ser em mim que costumava sentir, hoje há um que se acostumou a sentir. E não foi o tempo que me preencheu de vazio, foi eu que me deixei ser preenchido. Eu podia ter aceitado a rejeição, eu podia ter colecionado feridas abertas, eu podia ter negado todos os sentimentos recíprocos e eu podia até mesmo ter me deixado sem nada só para me sentir preenchido de nada. E eu fiz. O tempo apenas não parou. Eu parei. Parei principalmente de viver esperando ser feliz através de sentimentos. Afinal, todo aquele que ama e é amado é feliz? Porque eu não ando amando, nem sendo amado, nem ando armado. Há muito tempo troquei esse tal do amor pela tal das palavras. Só que se brinco com as palavras, dizem que é pela falta de amor. Se não brinco, nem notam que eu existo.

Sou um poeta que desaprendeu a amar. Me acostumei a trocar sentimentos por uma dose a mais de vazio. Embora às vezes, só se perceba que se tomou veneno prestes a morrer. Só que para não sofrer, se prefere o vazio de um amor não entregue do que a dor de um coração partido entregue de volta.
Mas reconheço que para ter chegado até aqui, um sentimento tem me tentado. Porque eis aqui um coração que começou a ser aberto desde a primeira linha. Eis aqui um grande passo dado para que, ainda que, no meio de um grande estrago de promessas desfeitas o vazio começasse a esvaziar. Até porque também há algo estranho que estou começando a sentir, e eu ainda não faço idéia do que seja...

quarta-feira, 2 de fevereiro de 2011

Inadimplência

Eu quero saber quanto eu devo por teus beijos. Mal consigo dormir a noite quando lembro de uma dívida, quanto mais acreditar que tudo o que houve entre nós tenha se tornado isto. Perco o sono. Embora dinheiro nunca tenha feito falta quanto o amor me faz. Entre essas duas formas de troca, já até desembolsei meu coração a troco de nada. Acreditei que algumas gorjetas me sustentariam e só não morri na crise porque o estornei. Insisto em declarar que minha crise nunca foi financeira.

Se quer mesmo saber, nem me lembro mais de teus beijos ou do que havia entre nós. Espero que esse cheque pré-datado possa zerar esta conta. Se peço prazo, é apenas para que você possa sofrer um pouco mais. E não me olhe dessa forma como se não me reconhecesse, é a vista e não peço desconto e é você quem me fez ficar assim. Sorte a minha guardar os contra-cheques, pois às vezes nem meu nome me vem à cabeça, e se confesso que jamais esqueci o teu, aceite as gorjetas por teu amor nunca dado, por tua presença nunca presente e por teus beijos agora zerados. Eu estou indo dormir.
Na Crise de 29, as pessoas não se mataram exclusivamente por causa da falta de dinheiro ou do acúmulo de dívidas, pode ter sido por não haver forma de troca maior e mais importante que valesse suas existências como o amor. Porque dinheiro não abraça e nem diz que tudo vai ficar bem no dia seguinte. Entender isto, custa uma vida.

segunda-feira, 31 de janeiro de 2011

A Sós

Falta coragem para abrir os olhos desde que percebemos que o que acreditávamos ser liberdade era, na verdade, a mais pura dose de solidão. Ora nunca estivamos tão próximos e tão sozinhos ao mesmo tempo. Não surpreende o fato de compartilhamos não mais que apenas isso. O resto, que não nos machuca saber, nos matar sentir. Dessa pequena morte é que nosso olhar se fixa dentro de nós mesmos e toda ou qualquer liberdade de olhar para fora passa a ser nula. Está ali parada e nos cegando, enquanto tentamos, sem sucesso, pestanejar; está ali, dentro dos nossos olhos fechados e promessas de incisão, a minha, a sua, a nossa existência conectada na solidão.

Eu e você poderíamos sorrir já que não conseguimos encarar a realidade de olhos abertos. Ninguém é tão diferente de nós quando, dia após dia, não percebe que todos nós vivemos sob esse buraco na camada da realidade e que o espaço ao redor dele é que cobre a maior parte dos nossos dias. Poderíamos sorrir já que a felicidade não faz parte da nossa realidade, ou de verdade, poderíamos sorrir simplesmente porque com os olhos fechados, não conseguiríamos chorar. Abri-los à força, poderia então nos machucar, e sentir parte de nós se partindo em prol da realidade à frente na qual nunca enxergamos, à primeira vista, nos mataria.

Ainda assim, se conseguissemos manter os olhos bem abertos e pudessemos perceber quando estamos vivendo um momento marcante na nossa vida, veríamos que é quando durante cada segundo ali, olhamos para o relógio e desejamos que o tempo jamais passe, que enquanto está perto e entre nós a duração dure mais do que de costume, pois aquele momento jamais voltará a ser inédito para nós. Porque queremos manter o encantamento e ficar, para sempre, com aquela sensação de que cada segundo nos prende e surpreende o olhar, mesmo tendo passado a maior parte da vida de olhos fechados. A sós.



Último trecho inspirado na crítica de Matheus Pannebecker ao filme "Mr. Nobody": http://me.lt/3A4Mb